O Brasil tem uma das populações mais ansiosas do mundo, com 19 milhões de pessoas sofrendo com a doença. O alívio pode estar em novas terapias que alteram as memórias, testes que permitem a escolha do remédio certo para cada caso e até no uso de tecnologias como a realidade virtual.
“E se eu perder o emprego? For assaltado? Meu filho ficar doente? Perder as minhas economias ao investir em um negócio? E se…” Conjecturar é uma característica da mente humana, formatada para analisar o máximo possível de cenários e chegar na decisão acertada. O problema é que em tempos tão difíceis quanto os atuais, o “e se” deixou de ser para muita gente um recurso que dá segurança na tomada de decisão, para se tornar um pensamento neurótico que atormenta com incertezas a cabeça de quem busca um caminho a seguir. A ansiedade tomou o Brasil. Cerca de 19 milhões de brasileiros sofrem com a doença, segundo a Organização Mundial de Saúde. A demora na retomada da economia e um desencanto em relação ao futuro aumentaram a angústia. Segundo a Interfarma — entidade que reúne as principais farmacêuticas em atuação no País — em 2016 o faturamento com a venda de ansiolíticos foi de R$ 342 milhões. Em 2017, R$ 376 milhões. Ou seja, um crescimento de 10%.
A ansiedade é, em si, um sentimento benigno. Ela faz parte dos recursos mentais desenvolvidos pelo ser humano ao longo da evolução para se proteger de ameaças à sua sobrevivência. Na medida certa, ela significa prudência. Não é por outra razão que, do ponto de vista cerebral, ela tem parte de seu processamento registrado nas estruturas mais primitivas, as primeiras a funcionar quando o homem lutava com outros animais por espaço e comida. Por meio do aprendizado com as situações, associações e registro das memórias, partes do cérebro como a amigdala e o hipocampo passaram a atuar conjuntamente para avaliar o que representava ameaça. Quando a conclusão era a de que a defesa se fazia necessária, sinais enviados ao resto do corpo preparavam a reação: coração e pulmão acelerados para garantir maior suprimento de sangue e oxigênio; glândulas sudoríparas elevando a produção de suor para manter a temperatura estável. Éramos puro instinto. A análise das informações sob a luz da lógica veio depois, quando a mente ganhou recursos para decidir pela mobilização de energia somente quando fosse realmente necessário.
Ou pelo menos deveria ser assim. Por uma combinação de fatores que incluem predisposição genética, circunstâncias do ambiente e experiências pessoais, a mente pode se manter em alerta permanente, inibindo que a análise racional se sobreponha e desarme o sistema quando a ameaça não é real. Sai-se do campo da prudência para entrar no da patologia. Ao contrário do primeiro, em vez de proteger, o último desgasta. O organismo fica exposto, levando a colapsos cardiovasculares, dores, insônia, emagrecimento ou obesidade, entre outras repercussões.
A manifestação da ansiedade patológica ocorre de diferentes maneiras. Uma das mais comuns é a ansiedade generalizada. Nesse caso, há um temor difuso das coisas em geral, embora uma ou outra possa se sobressair. Na atual realidade brasileira, entram na lista o receio de perder o emprego ou o de sofrer violência. A sensação corrói gradualmente. Um cansaço que não passa, uma irritação com qualquer coisa e dificuldade para pegar no sono se instalam. Outros gêneros são a síndrome do pânico e a fobia social. No primeiro tipo, situações cotidianas, como o trânsito parado, desencadeiam sintomas como taquicardia ou falta de ar. Na fobia social, o pavor de se expor desencadeia os mesmos sinais.
Por ser multifatorial, não há uma única maneira de tratar a ansiedade nociva. Se necessário, remédios são indicados para tirar os pacientes do quadro agudo, facilitando a transição para um estado mental mais tranquilo. Entre as medicações, existem os ansiolíticos e antidepressivos modernos com atuação contra a ansiedade e depressão, enfermidade que costuma cursar em conjunto. “Tem crescido a indicação de remédios com menos efeitos colaterais como o ganho de peso”, afirma Márcio Bernik, coordenador do Programa de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. “Isso aumenta a adesão ao tratamento”, diz.
A escolha do remédio certo é um desafio. Em relação aos antidepressivos, eles não funcionam em até 30% dos casos. E não se trata necessariamente de ineficácia, mas de não ser a medicação correta para aquele paciente específico. Hoje, por meio de exames genéticos, é possível identificar qual produto funcionará de acordo com cada um. A companhia brasileira GnTech disponibiliza um teste que analisa a resposta do paciente a vários medicamentos contra a ansiedade. “É uma forma de oferecer tratamentos individualizados”, afirma o psiquiatra Guido May, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e diretor da empresa.
Recentemente introduzida no tratamento, a realidade virtual treina pacientes para reagirem melhor a situações que servem de gatilho para as crises. As pessoas são virtualmente expostas a armadilhas que as levam a comer mais, por exemplo, ou a terem uma crise pânico diante de um inseto. Aos poucos, ganham controle sobre as situações. Também está sendo possível testar a eficácia da aplicação de ondas eletromagnéticas nas regiões envolvidas. Os resultados apontam redução dos sintomas.
Essas são alternativas para casos nos quais não houve sucesso com outras abordagens e o prejuízo na vida toma proporções preocupantes — a pessoa não consegue sair de casa para trabalhar, por exemplo. O esforço médico e psicológico é para recolocar o indivíduo no controle por meio de estratégias mais simples, como o uso de técnicas de respiração ou meditação, que contêm o fluxo incessante de pensamentos de preocupação e até mesmo impedem crises. A publicitária Caroline Apple, 33 anos, de São Paulo, usufrui dos benefícios da meditação contra a ansiedade e a depressão. “Aprendi a ouvir meu corpo. Perdi vinte quilos, a agressividade foi canalizada e nunca mais tive crises”, conta.
As terapias psicológicas são fundamentais para o alívio. Até há pouco tempo a mais usada era a terapia cognitivo-comportamental, cujo objetivo é ajudar o indivíduo a modificar hábitos e pensamentos associados à ansiedade. O entendimento recente, porém, é o de que é preciso atuar um pouco antes, na origem dos pensamentos e as razões pelas quais eles se manifestam. O que se quer é apagar as emoções negativas que estão em sua base, resultantes da experiência de vida de cada um. “É uma reconsolidação das memórias vinculadas à ansiedade”, explica o psiquiatra Diogo Lara, do Rio Grande do Sul, autor do livro “Imersão, um romance terapêutico”. “O objetivo não é mais aprender a suportar a ansiedade, mas mudar o relacionamento com ela”, diz o médico Bernik.
Quando os recursos são usados respeitando a história e o contexto individual, a chance de sucesso é enorme. A advogada Fernanda Volpato, 44 anos, de Florianópolis, é um exemplo. Depois de uma crise que a fez parar no hospital há um ano, ela procurou ajuda. Seu tratamento combina psicoterapia e o remédio certo para ela, indicado pelo teste farmacogenético. “Consigo impedir as crises. Foi um grande avanço na minha vida”, afirma Fernanda. A advogada teve ajuda da família e de amigos para superar a ansiedade. Porém, é comum que o sofrimento dos pacientes seja menosprezado. É preciso entender que ele é real e os sintomas não são fingimento. “Transtornos mentais são uma forma de adoecer como qualquer outra. Os pacientes não têm culpa”, afirma o psiquiatra Márcio Bernik. Quando também isso acontece, o alívio chega mais rápido.