Sofrer de uma Depressão prolongada, que não melhora após uso de vários medicamentos, é uma condição mais frequente do que gostaríamos. Um famoso estudo científico que incluiu o acompanhamento de 3.671 pacientes (STAR-D, Sequenced Treatment Alternatives to Relieve Depression) demonstrou que, ao final de um ano, após a adoção de três a quatro esquemas sequenciais de tratamento, 30% continuavam deprimidos.
Pode-se considerar que uma Depressão é “resistente ao tratamento” quando não há melhora após o uso de duas classes diferentes de antidepressivos, utilizados em dose e tempo (4 a 6 semanas) adequados.
Formas crônicas de Depressão, com duração maior do que dois anos, tendem a ser mais resistentes ao tratamento. No entanto, antes de concluir que uma depressão é “resistente”, é preciso verificar se, na realidade, a falha terapêutica não decorreu da prescrição ou do uso inadequados da medicação. O diagnóstico errôneo ou incompleto também deve ser considerado na tentativa de explicar a cronicidade e falta de melhora.
“NENHUM MEDICAMENTO FOI BOM PRA MIM…”
“Perdi a conta de quantos psiquiatras já consultei… Já tomei de tudo… [mostra uma lista que contém a maioria dos antidepressivos disponíveis]. O último médico disse que não tinha mais jeito, que não havia mais remédio pra mim. Estou desesperada, essa é a minha última tentativa.”
Para concluir que nenhum antidepressivo foi eficaz, temos que responder afirmativamente às quatro perguntas seguintes, o que geralmente é difícil de acontecer:
- Para cada medicamento tentado, chegou-se à dose máxima recomendada?
- Nessa dose, o medicamento foi mantido por, no mínimo, 4 a 6 semanas?
- O medicamento usado era de boa procedência?
- Foi tomado regularmente, como prescrito?
Na prática clínica, infelizmente, dois erros têm sido frequentes: mudar antidepressivos precocemente, bem como mantê-los por longos períodos em dose sub-terapêutica. A falha, nesse caso, está na prescrição inadequada. Às vezes é a impaciência do paciente, ou de seus familiares, que leva à interrupção ou troca de um medicamento. Isso sem aguardar o tempo necessário (e angustiante, mesmo) de algumas semanas e antes de se chegar a uma dose adequada.
Pode ser, então, que o médico lhe recomende um antidepressivo já tentado no passado, mas que não foi usado em dose e tempo adequados. É possível, também, que se decida chegar a doses um pouco acima das usuais, uma vez que em determinada parcela da população (“metabolizadores rápidos”), os medicamentos são eliminados mais rapidamente, o que acaba reduzindo sua concentração e ação no organismo.
“O QUE EU TENHO É SÓ DEPRESSÃO, MESMO?!”
Essa dúvida assalta a maioria das pessoas que sofrem de Depressão, mesmo porque não existem exames laboratoriais ou de imagem cerebral comprobatórios. O diagnóstico é clínico e segue critérios bem estabelecidos. No caso da Depressão prolongada, essa é uma boa pergunta, com relevância clínica digamos, uma vez que o diagnóstico errôneo, ou incompleto, pode levar à cronificação e à impressão equivocada de “resistência” ao tratamento.
É importante definir o tipo de Depressão (unipolar, bipolar, psicótica, ansiosa, atípica, secundária a microangiopatia ou a outros transtornos cerebrais…). Veja, por exemplo, que o diagnóstico de transtorno do humor bipolar pode ser aventado se houver: familiar com essa doença, episódios de elevação do humor induzidos por antidepressivos, recorrências frequentes, início ou término relativamente agudo dos sintomas. Nesse caso, o diagnóstico de uma fase depressiva do transtorno bipolar (“depressão bipolar”) implicaria mudança na estratégia terapêutica.
Alguns fatores que costumam precipitar ou agravar a Depressão também podem impedir-lhe a melhora, como por exemplo, abuso ou dependência de álcool, medicamentos (interferon, hormônios, corticóides), hipotireoidismo, Parkinson, acidente vascular cerebral, dor crônica, ansiedade, certos traços de personalidade, dificuldades de relacionamento interpessoal, conflitos na família, estresse crônico, problemas no trabalho. Para lidar com alguns desses fatores pode ser preciso contar com a colaboração de outros profissionais, incluindo a necessidade de uma psicoterapia concomitante aos medicamentos.
CONCLUINDO…
O tratamento adequado da Depressão que se prolonga por meses requer:
- A obtenção de um conjunto de informações oriundas da entrevista e de exames complementares
- Uma reavaliação do diagnóstico, das características pessoais, do funcionamento social e familiar
- A escolha de medicamentos segundo um planejamento terapêutico, às vezes junto com psicoterapia
- A confiança, compartilhada por médico, paciente e familiares, na realização de um trabalho conjunto
- Perseverança e… paciência!
O tratamento da Depressão prolongada requer método e paciência. Método na escolha dos medicamentos, uma vez que há alternativas racionais, apoiadas em evidências científicas, que devem ser testadas sequencialmente. Além disso, os antidepressivos devem ser indicados de acordo com características do paciente, em particular, bem como do conjunto de sintomas. Nessa decisão, há nuances que um profissional experiente costuma levar em conta. É no detalhe que se pode acertar.
Ainda assim, é impossível garantir que a primeira opção será a definitiva. Às vezes, é necessária nova tentativa, ou mesmo a combinação de medicamentos, buscando potencializar-lhes o efeito. Pensando nisso, costumo dizer ao paciente e a seus familiares que a nossa luta contra a Depressão poderá ter vários rounds. Aí é que entra a paciência… Paciência para esperar aquele tempo necessário, antes de pensar em interromper um remédio e logo começar outro, no desespero. Hora de boa comunicação e de confiança recíproca!
Fonte: Blog do Dr. Neury J. Botega