Diferente do que ocorre em outras áreas médicas, o diagnóstico em psiquiatria, ainda nos dias de hoje, baseia-se quase que totalmente em parâmetros clínicos – quais sejam, história e observação clínica. Não é possível chegar a um diagnóstico psiquiátrico apenas levando em conta exames laboratoriais e complementares.
Grande parte dos transtornos mentais não acarreta lesões cerebrais ou alterações bioquímicas facilmente perceptíveis e com significado claro. Apesar do vasto mapeamento do cérebro humano, este ainda continua a ser um órgão de complexa compreensão; assim, as correlações com as funções psíquicas ainda carecem de muitos estudos para permitir que a psiquiatria possa utilizar os exames complementares de forma mais ampla.
A despeito disso, a psiquiatria se vale de vários recursos que facilitam o diagnóstico. O termo “transtorno mental”, por exemplo, existe para diferenciar-se do termo anteriormente usado, qual seja, “doença mental”. A classificação dos transtornos mentais são convenções baseadas em achados de amplas pesquisas realizadas nessa área especifica em nível mundial; porém, ainda não há clareza sobre a fisiopatologia que envolve o processo do transtorno mental.
Não obstante não se saber de que forma o processo de adoecer ocorre especificamente no sistema nervoso, os transtornos foram e continuam sendo catalogados e revisados continuamente a partir de novas pesquisas que surgem ao longo dos anos. Já existem parâmetros bastante seguros, baseados em critérios preferencialmente objetivos. Para facilitar o diagnóstico, esses critérios são organizados em sistemas classificatórios, tais como o CID e DSM, os quais são respaldados por grupos de pesquisadores e clínicos que buscam, por intermédio de um trabalho árduo, chegar a possíveis consensos.
Há algumas décadas, o quadro clínico vem sendo bem definido e os transtornos mentais, por sua vez, bem delimitados e estudados como entidades nosológicas, que se tornaram convenções amplamente aceitas. O quadro clínico refere-se ao grupo de sintomas e características especificas do indivíduo, tais como: idade do surgimento do sintoma, desenvolvimento, curso, fatores de risco, prognóstico e sua epidemiologia.
Porque o diagnóstico psiquiátrico é importante?
Cada transtorno mental tem uma fenomenologia, uma forma de se apresentar e de se comportar ao longo de seu desenvolvimento. Provavelmente os transtornos ocorrem em função de mecanismos bioquímicos e celulares do tecido nervoso. Para o tratamento psicofarmacológico – feito com o uso de medicamentos – é importante ter um diagnóstico claro: se é um transtorno de humor, transtorno ansioso, psicótico ou demencial. Essa clareza é de suma importância para o sucesso terapêutico, inclusive para o caso de se orientar algum tratamento complementar. Quanto mais obscuro o diagnóstico, mais sintomático e paliativo se torna o tratamento, com maiores quantidades de sintomas residuais e prejuízos nas funções psicossociais do individuo.
Mesmo em transtornos relativamente simples, tais como o transtorno depressivo, é necessário se ter claro o diagnóstico qualitativo, além do nosológico, com a especificação da gravidade do episódio e suas peculiaridades. Essa conjugação influencia bastante no aprofundamento das características mais específicas do transtorno em questão e na condução de um plano terapêutico mais eficaz.
Porque algumas vezes o diagnóstico demora a ficar claro?
Em casos recentes, geralmente o diagnóstico é simples e fica claro já na primeira consulta. Porém, em casos crônicos, nos quais o desenvolvimento do transtorno é longo e arrastado e para o qual muitos tratamentos anteriores já foram tentados, é comum haver comorbidades, isto é, a ocorrência de mais de um transtorno ao mesmo tempo. Nesses casos, o diagnóstico pode demorar a se tornar claro; somente com a observação e acompanhamento ao longo de meses – ou até mesmo de ano – o diagnóstico pode ficar evidente. É de suma importância que esse diagnóstico seja dado, pois fará muita diferença no tratamento e na melhoria do estado clínico do indivíduo.
Flávio Vervloet