Receios do uso de psicofármacos
A despeito de ter se tornado mais popular nos últimos 20 anos, a psiquiatria ainda é vista com preconceito e apreensão por um número significativo de pessoas. É uma resistência compreensível, já que é uma área que carrega estigmas – em função de seu passado em nossa cultura – e é menos compreendida pela ciência do que outras áreas da medicina. Uma das principais causas da apreensão diante da psiquiatria está relacionada à falta de conhecimento; além do receio do diagnóstico, outra resistência comum diz respeito aos receios relacionados ao uso de psicofármacos.
Os medicamentos geram dependência química?
Grande parte dos psicofármacos não induz à dependência, mas alguns tipos podem apresentar esse risco. Aqueles prescritos por meio dos receituários de cor azul ou amarela possuem nível maior de risco; aqueles receitados por meio do formulário branco em duas vias, por sua vez, não costumam gerar esse tipo de ocorrência.
Existem dois fenômenos que podem ser confundidos com dependência farmacológica: as reações adversas em decorrência da retirada abrupta da substância em uso há certo tempo e, por outro lado, a piora dos sintomas com a retirada da medicação, mesmo quando feita de forma progressiva.
Síndrome de descontinuação
O primeiro caso é comum no uso dos antidepressivos e é denominado “efeito de retirada” ou síndrome de descontinuação e equivale à apresentação de reações orgânicas em decorrência da retirada abrupta de uma substância à qual o organismo já tinha se “acostumado”. Geralmente são sintomas que não estão relacionados ao transtorno que está sendo tratado e frequentemente esse efeito dura, no máximo, de uma a duas semanas. Para evitar esse efeito, o uso do psicofármaco deve ser descontinuado progressivamente, a fim de oferecer o tempo necessário para que o corpo se adapte a mudança.
Suspensão prematura
O segundo caso pode ocorrer como um indício de que a medicação foi retirada antes do momento adequado; por esse motivo, percebe-se o retorno aos sintomas iniciais ou anteriores ao tratamento. Na área de psiquiatria, a maioria dos transtornos mentais leva alguns anos para se instalar e, consequentemente, se manifestar por meio de sintomas; da mesma forma, o organismo leva um tempo maior para restabelecer o estado de saúde perdido. Pressupõe-se uma predisposição genética ou psicossocial para que o transtorno se instale; por isso, a crise aguda é, muitas vezes, somente uma exacerbação do que já existia há bastante tempo de forma controlada.
Duração do tratamento
Em geral, o tratamento dos transtornos mentais mais comuns (transtornos depressivos e ansiosos) requerem um prazo médio de 12 a 24 meses, as vezes período ainda maior, para surtir o efeito da recuperação total, ou seja, é necessário que o indivíduo fique ao menos 12 meses sem quaisquer sintomas significativos. Entretanto, é comum que os sintomas só atinjam essa remissão (ausência de sintomas) em um período de dois a seis meses, no caso de uma boa adaptação e efetividade ao psicofármaco.
O tratamento pode ter menor duração nos casos em que o transtorno não tenha se instalado de forma significativa no sistema nervoso ou tenha se desenvolvido num campo mais subjetivo, psicológico ou existencial.
Há outros casos, no entanto, em que a duração do tratamento é maior e a recuperação leva alguns anos para ocorrer, principalmente quando houve uma cronificação. Nesse contexto, a suspensão dos psicofármacos requer um tratamento interdisciplinar. Por fim, há um número menor de casos que exigem uso constante e permanente, ou seja, para toda a vida.
Flávio Vervloet