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Tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra
A depressão é uma circunstância difícil. Como na poesia de Drummond, ela nos obriga a parar na estrada e no tempo. Ruminação, a pedra que não sai da mente. Impotência, não há força para mover a pedra. Peso de pedra, imobilidade de pedra, de depressão que paralisa. Se nada enxergamos adiante, se só temos olhos para a pedra da crise, como abrir caminho?
É preciso tomar distância, mapear o terreno, reconhecer que um atalho será trilhado a passo pequeno, cuidadosamente. Talvez lhe dê algum alento ouvir isso: superada a depressão, você voltará a caminhar como antes, a estrada da vida terá ganho um valor diferente, com outros significados. Não estou fazendo apologia do martírio, é um testemunho da clínica que vc vai confirmar.
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Mudar a lente
A depressão tira as cores da vida e transforma o futuro em tragédia. São comuns as ideias de incapacidade, ruína e culpa. Não tire conclusões sob o domínio da depressão. Procure contrastar os pensamentos negativos atuais com as realizações de que foi capaz e com os objetivos pessoais que sempre manteve. Registre em um papel os pontos positivos de sua vida. Nos momentos mais difíceis, releia o que escreveu. Procure mudar a lente do negativismo e da desesperança.
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Decretar uma moratória
Se você tivesse sido atropelado por um caminhão e sobrevivesse, já imaginou como seria sua recuperação…? Então, se você sofre de depressão, de alguma forma você foi atropelado pelo destino! A melhora leva um tempo, adie decisões importantes, decrete uma moratória! Combine consigo: Até determinada data, não me obrigarei a dar uma solução para tal problema; até lá, procurarei me fortalecer e me proteger.
Se a depressão estiver relacionada a uma perda ou adversidade, o sentido da vida terá de ser ressignificado. A passagem do tempo será o remédio capaz de digerir emocionalmente o que lhe aconteceu.
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O maior inimigo do bom
Você já ouviu falar que o maior inimigo do bom é o ótimo? Confirmando: a depressão impossibilita o mesmo desempenho do passado. Por isso, o nível de exigência precisa diminuir e temos que nos contentar com o bom. É impossível dar conta de todas as obrigações, como você fazia antes. Reavalie os objetivos de curto prazo, já que a impossibilidade de cumpri-los baixará ainda mais a autoestima. Se estiver muito difícil no trabalho, talvez seja melhor tirar uma licença médica.
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Um passo de cada vez
Se falta iniciativa e energia para sair do lugar, então é preciso dar pequenos passos, um de cada vez. Se o período da manhã for o mais difícil – isso é comum na depressão – aproveite o fim de tarde para fazer algo que lhe proporcione algum alívio: experimente algumas alternativas! E cultive o hábito: atividades reconfortantes, que não exijam muito esforço.
Aconselho programar com antecedência algumas atividades ao longo da semana, registrá-las em um papel, com a ajuda de alguém que lhe apoie. Tudo na medida do possível, uma coisa por dia, uma rápida saída, um cuidado com a aparência pessoal, um filme, um café da tarde.
Quando for se sentindo melhor poderá incrementar as atividades, mas sempre de modo escalonado e prudente. Por exemplo, caminhar rápido por 40 minutos, quatro vezes por semana, é altamente recomendável para recobrar e manter o estado de ânimo. Mas é algo para ser tentado apenas quando você já se sentir pelo menos 50% melhor. Obrigar-se a isso no auge da depressão é crueldade!
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Mudar o foco
Tente tirar o foco das preocupações. Não é fácil, é verdade, mas qualquer ganho conseguido significará menos sofrimento. Para mudar o foco, costumo sugerir, além de uma programação sensata de atividades ao longo da semana, a mudanças de ação e de posição do corpo: se estiver sentado e começarem as ruminações, levante-se e beba um copo d’água; se estiver ouvindo música e começar a se entristecer, mude a música.
Em caso de rompimento amoroso, sugiro parar de monitorar, nas redes sociais, o seu amor perdido. Sei que essa recomendação custa para ser atendida, pois luta-se contra um comportamento condicionado, semelhante ao da drogadição: o desejo e a gratificação já não são como antes, mas o querer e o sentimento de necessidade condicionam a busca por alívio e prazer. Esse último se mantém presente mais na memória idealizada do que na realidade do ritual de verificação.
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Lembrar o caráter transitório da depressão
A sensação de não haver luz no fim do túnel faz parte de uma experiência sofrida da depressão. Felizmente, ela é limitada no tempo e desaparece com a cura da doença. É fundamental se lembrar desse caráter transitório dos sintomas.
É como naquele momento em que o comandante do avião nos avisa para apertar o cinto de segurança, pois atravessaremos uma área de turbulência. Temos que manter a esperança de que o pior vai passar e que a viagem seguirá tranquila. É muito importante manter isso em mente: a depressão vai passar!
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Tirar a média dos dias
Previna-se contra as oscilações que normalmente ocorrem durante o processo de recuperação. Há dias bons e há dias ruins. Esses últimos, quando interrompem um período de esperançosa melhora, costumam ser devastadores. Para se avaliar o resultado do tratamento, devemos tirar a média dos dias. Não se apavore com ocasionais turbulências. Elas são passageiras.
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Vida espiritual
Muitas pessoas conseguem manter um fio de esperança, em meio à depressão, ao reforçar a espiritualidade e a prática religiosa. Essa última, além da crença, geralmente inclui a participação em cultos e reuniões de fiéis. A espiritualidade e a prática religiosa fortalecem a esperança, bem como a sensação de pertencimento, de estar unido a um Deus redentor e a outras pessoas que compartilham os mesmos ideais.
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Aceitar ajuda
Comparecer às consultas, participar das conversas, interagir, tudo exige um esforço incomum de quem está deprimido. Nos sentimos desconectados, sem ressonância afetiva e, comumente, um peso para os outros. Por isso, procuramos o isolamento, nos irritamos com quem insiste na interação. E pior, às vezes nutrimos a sensação de que as pessoas não são sinceras quando elas tentam se aproximar.
Se não conseguimos valorizar os que tentam nos ajudar, não é por ingratidão, e sim por que a depressão impede tal percepção, de que podemos, sim, confiar em uma pessoa e aceitar sua ajuda. Evite se isolar. Procure se cercar de pessoas queridas.
Texto escrito pelo psiquiatra Dr. Neury J. Botega – Autor do livro A Tristeza, a Depressão Paralisa, Ed Benvirá